Conhecimento milenar das plantas da floresta começa a ser catalogado

Kayapó usam diferentes partes das plantas para várias finalidades, desde construção de casas até para o preparo de remédio; oficinas foram realizadas em três aldeias filiadas ao Instituto Kabu
Conhecimento milenar das plantas da floresta começa a ser catalogado
23.02

Takakdjai Mekrãgnotire anda numa trilha da floresta mostrando diferentes tipos de cipó: com um deles banha bebês para higienizar e aumentar a imunidade, outro serve para trançar e fazer as alças dos paneiros – grandes cestos de palha para carregar legumes, raízes e frutas que as mulheres trazem da roça. Ele corta um cipó, que na língua chama-se “akrô” e mostra como é amarrado em torno da testa para aliviar dores de cabeça. Outro tipo de cipó é usado para extrair água e matar a sede dos guerreiros durante as expedições de caça.

Folhas de bananeira brava são usadas para assar peixe, carne de caça e massa de mandioca. E palhas de diferentes tipos de palmeira servem para a construção de casas tradicionais. A caminhada na floresta no entorno da aldeia Kubenkokre fez parte da oficina Mapeamento e Avaliação de Recursos Florestais, financiada pelo projeto LIRA – Legado Integrado da Região Amazônica. Nela, grupos de conhecedores das espécies de plantas mais utilizadas pelos Mebêngôkre-Kayapó ajudaram a identificar, fotografar, mapear e descrever seus usos, que vão da construção de casas ao uso medicinal e da alimentação à fabricação de artefatos. Depois da identificação, as várias utilizações foram validadas em reuniões com grupos maiores de especialistas em plantas nas aldeias.

Na floresta, as mulheres que acompanharam Takakdjai, também conhecido como Nhá, decidem colher açaí. Usam os “ahin”(panos feitos com tear ou palha trançada para segurar as crianças em volta do corpo) e amarram em volta dos tornozelos para firmar os pés e usar como calço para subir a palmeira do açaí. Com o facão, cortam os cachos.

Os Kayapó utilizam diferentes partes das plantas para finalidades especificas, como o tronco, os galhos, a raiz, as folhas. Há espécies de usos múltiplos onde são utilizadas partes diferentes com finalidades especificas e estes usos também foram levantados nas oficinas. Um exemplo é a Bà Nhõro Kudjỳ: o tronco serve para construção de casas e telhados, a fibra para alças de paneiro e também para o preparo de remédio para dor ou ainda como vermífugo.

Realizada em três aldeias filiadas ao Instituto Kabu, a catalogação das espécies utilizando metodologias participativas mostrou que nenhuma das que foram identificadas está ameaçada no interior da Terra Indígena Menkragnoti. “Apesar disso, algumas dessas espécies, em destaque, como o mogno, o cumaru e a castanha-do-Brasil são amplamente comercializados por não-indígenas e estão ameaçadas no bioma”, de acordo com o relatório da empresa Samaúma Socioambiental, que realizou as oficinas.

Deixando claro que não é um ancião e que vem aprendendo com o pajé (que na língua Kayapó é chamado de Wajanga) da aldeia sobre os usos das plantas, Takakdjai, que tem pouco mais de 40 anos, explica que sua geração foi a última a se interessar pela transferência do conhecimento de pai para filho: “Meu filho aprendeu a caçar, pescar e a construir casas, mas não se interessa pelas plantas”. Mesmo reclamando que os jovens Mekrãgnotí só têm interesse em tecnologia, ele observa que houve um aumento da confiança dos mais novos na medicina tradicional durante a pandemia. Entre os Kayapó Mekrãgnotí do sul do Pará só houve três mortes por Covid, todas no início da pandemia, em 2020.

“A identificação de espécies ameaçadas no bioma Amazônia, disponíveis em larga escala dentro da Terra Indígena, demonstra a importante contribuição do povo Kayapó na preservação das mesmas”, afirma Sayonara da Silva, consultora que  ministrou as oficinas. Para garantir a manutenção e a ampliação dos recursos florestais, ela sugere ações de plantio das espécies comercializadas em áreas de capoeira e no entorno das aldeias por meio de Sistemas Agroflorestais (SAFs)”. As ações propostas devem ser incluídas no Plano de Gestão Ambiental e Territorial das TIs Baú e Menkragnoti, que estão em construção.