Judicialização

Judicialização

Sem ter negociado a renovação em 2019, a Funai propôs um PBA emergencial que vigoraria de janeiro a junho de 2020, enquanto a renovação do terceiro ciclo de cinco anos (2020 a 2024) seria aprovada.

Sob pressão dos Kayapó e ameaças de protestos na BR-163, a Funai liberou o primeiro repasse de 2019 somente em novembro daquele ano.  inviabilizando grande parte das ações programadas para implementação pelo Instituto Kabu para aquele ano e colocando o IK numa situação difícil financeiramente.

Em março de 2020, depois de adaptar, discutir e aprovar a proposta para o novo CI-PBA com todas as aldeias filiadas, o Instituto Kabu apresentou sua proposta para o terceiro ciclo do PBA (julho/2020 a dezembro 2024) à Funai. Apesar da orientação de técnicos da Funai, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), responsável pelo asfaltamento da BR-163 e pela mitigação dos impactos causados aos indígenas, não discutiu a proposta diretamente com o Kabu, apesar da orientação neste sentido por parte do corpo técnico da Funai.

Já os preparativos para licitar a exploração da BR-163 para uma concessionária privada seguiu o cronograma previsto e a pavimentação do trecho final foi entregue pontualmente em fevereiro de 2020. Apesar da realização de reuniões com Secretaria Especial do Programa de Parcerias e Investimentos da Casa Civil (SPPI), Ministério da Infraestrutura e Funai, o Instituto Kabu nunca recebeu uma sinalização clara sobre a responsabilidade pelos desembolsos do PBA, depois da concessão.

Em julho de 2020, já com o PBA paralisado e ainda sem que os repasses para o emergencial tivessem sido depositados, o Instituto Kabu pleiteou a liberação de juros de aplicações realizadas durante a vigência dos dois ciclos anteriores para pagar despesas administrativas do Instituto. Apesar do pedido ter sido aprovado pelo DNIT, a Funai negou a liberação e a direção do órgão, já sob o comando de Marcelo Xavier da Silva, determinou que uma auditoria fosse realizada nas contas já aprovadas pelo Instituto Kabu. A auditoria constatou que todos os problemas com a implementação do plano foram causados por atrasos em repasses, pelos quais a Funai foi responsabilizada, mas a liberação dos recursos jamais aconteceu. A direção da Funai chegou a consultar seu departamento jurídico sobre a possibilidade de embolsar as aplicações, mas foi informada de que os recursos pertencem aos indígenas. As aplicações continuam no banco, sem que o IK tenha obtido autorização para sacá-las até hoje.

Mesmo durante a pandemia, a normalização dos repasses do PBA não aconteceu. Outras promessas, como a da consulta para o projeto da Ferrogrão, em que o governo Bolsonaro havia deixado os Kayapó de fora, foram descumpridas. O processo de desestatização da construção e exploração da ferrovia foi entregue ao Tribunal de Contas da União pelo governo sem consulta prévia aos indígenas, mesmo que documentos assinados por funcionários do Ministério da Infraestrutura garantissem aos Kayapó que isto não seria feito.

Ocupação da BR-163

O ano de 2020 foi especialmente difícil para os Kayapó Mekrãgnotí. Os repasses referentes ao PBA emergencial do primeiro semestre de 2020 não se materializaram. Apoiado pela Funai, o DNIT questionava em ofícios a existência dos impactos causados pela rodovia, que na realidade, só aumentaram.

Apesar dos riscos da pandemia, cujos primeiros casos foram confirmados na região no final de abril, as lideranças decidiram como último recurso realizar um protesto ocupando a BR-163 na altura de Novo Progresso em agosto de 2020 para forçar a renovação do PBA e garantir a sua retomada, já que oficialmente estava paralisado desde o final de junho.

Durante 10 dias, em cima de uma ponte sobre o rio Jamanxim na saída da cidade de Novo Progresso, no mesmo local onde antes da construção da estrada havia uma aldeia, eles pediram a presença da direção da Funai e reivindicaram a renovação do PBA, a liberação dos recursos relativos ao emergencial de 2020, apoio para o enfrentamento da COVID e a consulta livre e informada para projetos que os impactem, como a concessão da BR-163 e construção da Ferrogrão.

Só durante a ocupação a Funai depositou os restos a pagar de 2019. E na semana seguinte ao término do protesto, repassou os recursos que havia recebido do DNIT para pagar o emergencial do primeiro semestre de 2020.  Das reivindicações, apenas as da área da saúde, como a reforma da Casa de Saúde Indígena de Novo Progresso – onde faltava água e havia goteiras – foram atendidas. As obras foram interrompidas pouco depois de começaram e jamais foram retomadas.

Porém, menos de 24 horas depois do início da ocupação, a Funai tentou criminalizar os indígenas que tem por missão proteger.O pedido de reintegração de posse da rodovia, feito pela presidência da Funai, foi atendido por uma juíza federal e Doto Takak-Ire, Relações Públicas do Instituto Kabu,  foi intimado na estrada. Por vários noites, os indígenas fizeram vigília na estrada armados com arcos, flechas e bordunas na expectativa de uma tentativa de remoção forçada por parte da Polícia Federal. Um inquérito na Polícia Federal foi aberto contra o indígena, responsabilizado por liderar o protesto, mostrando total desconhecimento das decisões coletivas das lideranças do povo Kayapó. O inquérito foi posteriormente arquivado.

A ocupação foi encerrada apenas quando o Ministério Público Federal entrou com uma  Ação Civil Pública requerendo a renovação do PBA-CI em 30 dias. A ACP recebeu uma liminar favorável na Justiça Federal de Altamira, mas o PBA continua paralisado.  A União recorreu e até julho de 2022 ainda não havia decisão liminar do Tribunal Regional Federal em Brasília.

Neste período, os convênios firmados entre DNIT e Funai para repasse dos valores relativos ao PBAI e entre a Funai e o Instituto Kabu, para que a Funai pudesse fiscalizar a implementação do PBA e analisar a prestação de contas venceram e não foram renovados por falta de interesse da Funai.

Doto Takak Ire recebe intimação de reintegração de posse da BR-163 durante a ocupação