CCJ aprova PL 490, mas mobilização de indígenas ganha apoios importantes

Os 104 Kayapó que ficaram acampados no Levante Pela Terra, em Brasília, não saíram derrotados; grupo de mais de 100 empresários e personalidades brasileiros envia carta ao presidente da Câmara pedindo o veto do projeto
CCJ aprova PL 490, mas mobilização de indígenas ganha apoios importantes
24.06

Apesar da aprovação do Projeto de Lei 490 (PL 490) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, a mobilização de mais 850 lideranças indígenas desde o dia 08 de junho, vem ganhando apoios importantes.

Os 104 Kayapó que ficaram 10 dias em Brasília acampados no Levante Pela Terra não saíram derrotados. A mobilização chamou a atenção da mídia internacional e na quarta-feira (23), enquanto a base governista aprovava o PL 490 na CCJ por 44 votos a favor e 21 contra e os Kayapó levantavam acampamento, um grupo de mais de 100 empresários e personalidades brasileiros enviava uma carta ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas – AL) pedindo o veto do PL 490 e de dois outros projetos em tramitação considerados retrocessos ambientais. Segundo os empresários, os projetos são “um péssimo negócio para o Brasil e para o desenvolvimento sustentável”.

O PL 490 modifica o Estatuto do Índio e reúne 13 outros projetos que ferem direitos indígenas garantidos pela Constituição. Ele já havia sido aprovado na Comissão de Agricultura, rejeitado na Comissão de Direitos Humanos e agora terá destaques votados na CCJ antes de seguir para apreciação do plenário da Câmara.

A oposição ao PL 490 no Congresso era minoria na Comissão e tentou adiar a votação e realizar uma audiência pública na qual os indígenas poderiam ser ouvidos, mas a Comissão não se dispôs a ouvir nem mesmo uma comissão de quatro lideranças. A presidente da Frente Mista Parlamentar de Defesa dos Direitos Indígenas, Joênia Wapichana (Rede – RR) lembra que “a gente já passou por isso no passado. A PEC 215 passou nas comissões e quando chegou ao plenário, reverteu a situação. A gente está com a Constituição ao nosso lado.” Ela afirma que mesmo que o PL 490 seja aprovado na Câmara e no Senado e sancionado pela Presidência, pode ter sua constitucionalidade desafiada no Supremo Tribunal Federal (STF).

Desde o dia 14 de junho os Kayapó se juntaram a mais de 850 indígenas de 45 etnias de todo o país acampados nas imediações da Esplanada dos Ministérios  na primeira grande mobilização indígena desde o início da pandemia. O objetivo era barrar o PL490, que foi apresentado em 2007, modificado para agregar os projetos apensados e nunca contou com a participação ou pediu a opinião de um milhão de indígenas que serão afetados por ele.

Entenda o PL 490

Além de não cumprir o processo de consulta prévia, livre e informada garantido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil e tem força de lei o PL coloca em risco demarcações já realizadas ao acatar a tese do marco temporal: pelo qual o direito aos territórios tradicionais só existe a partir do seu reconhecimento na promulgação da Constituição de 1989. O correntão de retirada de direitos tira da Funai e de técnicos o processo de demarcação e o coloca sob a responsabilidade do próprio Congresso, que passa a ter a última palavra sobre demarcações e homologações, paralisadas desde a posse do atual governo, em 2019, no cumprimento de uma promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro.

Se aprovado, o PL 490 vai atropelar ainda usufruto exclusivo dos territórios indígenas  ao permitir empreendimentos econômicos como o garimpo e construção de hidrelétricas nas Terras Indígenas.

O PL rasga ainda a política de contato de índios isolados, criada para protege-los quando o indigenista Sydney Possuelo foi presidente da Funai na década de 1990. A Funai tem por obrigação demarcar e proteger os territórios em que vivem, mas para preservá-los o contato só é realizado em casos extremos que representem sérios riscos a estes grupos. Os empreendimentos poderão receber autorização para fazer o contato dos isolados.

No festival de retirada de direitos reunidos no 490, indígenas podem perder o direito de ser o que são: o Congresso poderá julgar se indígenas ainda são indígenas ou se perderam “traços” de sua cultura, retirando sua própria identidade.

Além da pressão para o arquivamento do PL490, o  Levante indígena acompanha a votação no Supremo Tribunal Federal (STJ) de uma ação  contra povos indígenas de Santa Catarina, na qual o governo do estadual busca desalojar com uma ação de que pode acabar fim na tese do marco temporal, que impede a demarcação de terras indígenas que não estivessem ocupadas ou em litígio antes da promulgação da Constituição de 1988, que deu o direito de usufruto dos territórios tradicionais aos indígenas. O julgamento iniciado no dia 11 de março, foi interrompido por um pedido de vistas do ministro Alexandre Moraes e remarcado para o dia 30 de junho. E é importante porque terá caráter de repercussão geral. Se negar a tese do marco temporal, a tentativa de anular os direitos históricos sobre territórios tradicionais, cai por terra.

Apoios de peso

A carta aberta de empresários e celebridades, assinada por nomes de peso no mercado financeiro e na academia como o  presidente do banco Credit Suisse, José Olympio da Veiga Pereira; o ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer; o presidente da Suzano, Walter Schaika, copresidente do Conselho de Administração da Natura, Guilherme Leal; a atriz Cristiane Torloni e o cineasta Fernando Meirelles, afirma que os PLs 490, 984 (que autoriza a reabertura de uma estrada ilegal no Parque Nacional do Iguaçu) e 2633 (apontado na carta como PL da grilagem, regularizando a posse de terras públicas invadidas), representam “gravíssimos riscos aos negócios brasileiros.” Eles ressaltam que  mais de 300 mil europeus assinaram um pedido de boicote aos produtos brasileiros caso o PL 2633 não seja retirado da pauta.

Nesta quinta-feira (24), outra carta aberta assinada por 301 artistas, juristas, acadêmicos e membros da sociedade civil foi entregue pelos indígenas que ainda estão em Brasília simbolicamente aos ministros do STF por lideranças indígenas. A carta contrária ao marco temporal pede que o Supremo proteja os direitos constitucionais dos indígenas, sob grave ameaça no momento. A retomada da votação da ação de reintegração de posse de terras dos indígenas Xokleng foi marcada no STF para o dia 30 de junho e vai ter repercussão geral, podendo derrubar de uma vez por todas a tese do marco temporal.

Outra carta aberta de apoio à luta contra os ataques sistemáticos aos direitos indígenas pode ser assinada por qualquer cidadão até o dia 29 de junho e será entregue ao Supremo no dia 30 de junho:  https://bit.ly/3vTZdDN