Kayapó Mekrãgnotí fazem ritual na BR-163 e alertam que podem bloquear rodovia novamente

Grupo de cerca de 40 lideranças de todas as aldeias do Instituto Kabu bloqueou a BR-163 por 20 minutos, apoiado por lideranças Panará, para lembrar que a renovação do PBA ainda está paralisada
Kayapó Mekrãgnotí fazem ritual na BR-163 e alertam que podem bloquear rodovia novamente
29.04

Um grupo de cerca de 40 lideranças Kayapó de todas as aldeias que formam o Instituto Kabu bloqueou a BR-163 durante 20 minutos nesta quinta-feira (28), ao final da Assembleia Geral do Instituto. Apoiados pelo cacique-geral Panará, Sinku Panará, e mais três lideranças da também etnia, eles lembraram que a renovação do Plano Básico Ambiental (PBA), prevista para entrar em vigor em 2020, ainda está paralisada.

O PBA reúne as condicionantes indígenas para reduzir impactos sobre as Terras Indígenas Baú, Menkragnotí e Panará causadas pelo asfaltamento da rodovia federal, que liga Cuiabá (capital de Mato Grosso) a Santarém (Pará).

A BR-163 é o principal canal de escoamento para a produção de grãos do Centro-Oeste para os portos do norte do país, como os do rio Tapajós, em Santarém, de onde são exportados.

O local do protesto foi o mesmo em que eles acamparam por 10 dias em agosto de 2020 – em meio à pandemia de COVID-19 – exigindo a renovação do PBA: “Aqui havia uma aldeia e é um lugar sagrado para nós. Aqui foi enterrado o grande guerreiro Kentí”, disse o porta-voz do grupo, Mydjere Mekrãgnotire, vice-presidente do Instituto Kabu. Acrescentando que “se não formos ouvidos, vamos fazer nossa manifestação novamente. Vamos fechar esta BR aqui permanentemente. Este governo está atropelando nosso direito”.

Obrigações legais ignoradas

A abertura da estrada, na década de 1970, foi feita sem nenhuma preocupação com os impactos aos povos indígenas que estavam no caminho. Mas o asfaltamento nos anos 1990 foi diferente: já havia uma legislação ambiental que obrigou o Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (DNIT) a mensurar os impactos (em Estudo de Impacto Ambiental) e a compensar os existentes e previstos no futuro. Além disso, o Ministério Público Federal (MPF) busca assegurar que Condicionantes Indígenas (CI-PBA) sejam pagas pelo DNIT aos Kayapó e a aos Panará.

Por 10 anos, o Instituto Kabu implementou o PBA, o que garantiu a manutenção da integridade das Terras Indígenas Baú e Menkragnoti, com 6,5 milhões de hectares. Elas funcionam como uma barreira para a expansão da fronteira agrícola, no sudoeste do Pará e estão no limite do chamado Arco do Desmatamento, fazendo parte do último grande maciço florestal do leste da Amazônia.

Nos dois primeiros ciclos de cinco anos, os projetos elaborados dentro dos quatro grandes eixos criados para o PBA eram decididos juntamente com todas as 14 aldeias associadas ao Instituto Kabu. A prestação de contas semestral era feita à FUNAI, que fiscalizava a implementação (e também implementava o PBA, no caso dos Panará).

Pressões só aumentam

Elogiado por sucessivas direções da FUNAI, o PBA gerenciado pelo Instituto Kabu, foi considerado modelo. Mesmo assim, a partir de 2019, os repasses deixaram de ser feitos e a renovação prevista em 2020, foi ignorada pelo órgão e pelo DNIT.

O DNIT, com apoio da FUNAI, chegou a afirmar que, se o PBA implementado pelo Instituto Kabu era tão bem-sucedido, a maioria dos impactos negativos já havia sido mitigada e não havia mais o que compensar. Porém, é de conhecimento público que Novo Progresso foi palco de recorde de queimadas numa ação que ficou conhecida como Dia do Fogo, em 2019. E que a região no entorno de 100 km das TIs Baú e Menkragnoti (buffer), tem tido crescimento anual recorde nos últimos anos.

Uma faixa de 100 km no entorno das TIs Baú e Menkragnoti perdeu menos de 400 km² em mata nativa até 2017, mas o desmatamento aumentou em mais de 1.500 km² por ano desde 2020, de acordo com os dados oficiais do PRODES. O garimpo ilegal, que estava estabilizado em 2019, voltou com força influenciando aldeias que saíram do Instituto Kabu para se associar a garimpeiros. Portanto, as pressões e impactos previstos foram ainda maiores e a necessidade de mitigação aumentou vertiginosamente.

Os Mekrãgnotí, comprometidos com a conservação da floresta, foram processados pela FUNAI durante a última ocupação da rodovia, mas conseguiram que o órgão criado para os proteger, finalmente descentralizasse os repasses atrasados do PBA, até junho de 2020.  Foram obrigados também a buscar outras fontes de financiamento para impedir o colapso de projetos sustentáveis, bem como garantir a vigilância de suas terras nos dois últimos anos.

Concessão

Em julho de 2021, o DNIT conseguiu por meio de liminar realizar o leilão de concessão da rodovia BR-163, no trecho entre Sinop (MT) e Itaituba (PA), mesmo sem licença de operação (LO) da rodovia. Também sem cumprir as obrigações das condicionantes indígenas, passaram o empreendimento administrado pelo DNIT para a concessionária Via Brasil, que assinou o contrato em 1º de abril de 2022. A concessionária ainda não procurou os Kayapó e Panará para conversar sobre como pretende negociar a renovação do PBA.

O cacique-geral dos Panará apoia a decisão dos Mekrãgnotí. “Somos mais fortes que o governo. A nossa cultura é muito mais forte que o governo. Juntos, nós somos mais fortes”, disse Sinku Panará.