STF adia decisão sobre marco temporal pela terceira vez

Alexandre de Moraes vota contra, mas sugere indenização prévia e André Mendonça pede vista. Não há data para nova votação.
STF adia decisão sobre marco temporal pela terceira vez
07.06

A retomada do julgamento da ação do povo Xokleng, de Santa Catarina, no Supremo Tribunal Federal (STF) durou menos de três horas. O ministro Alexandre de Moraes chegou a votar e o placar está agora em 2 X 1 contra a tese do marco temporal. Mas, em seguida o ministro André Mendonça pediu vistas e paralisou novamente a votação. Não há data para a retomada.

Em 2021, durante a Marcha das Mulheres em Brasília, o STF havia iniciado esta mesma votação. O ministro Edson Fachin votou contra a tese que exige que os indígenas estivessem ocupando o território a ser demarcado na data da promulgação da Constituição (05 de outubro de 1988) ou estivessem em litígio judicial. O ministro Nunes Marques se manifestou a favor. E Alexandre de Moraes pediu vistas. A votação em plenário foi marcada para antes das eleições no ano passado e retirada de pauta sem explicação.

Primeiro a votar nesta quarta-feira (07), o ministro Moraes afirmou que o reconhecimento da posse de terras indígenas independe da existência de um marco temporal baseado na promulgação da Constituição de 1988. E lembrou que os indígenas abandonaram a Terra Indígena Ibirama, devido a um massacre que matou 244 Xokleng em 1930 e sob ameaças de serem exterminados se retornassem.

“Óbvio que, em 5 de outubro de 1988, eles não estavam lá, porque se estivessem, de 1930 a 1988, não teria sobrado nenhum. Será que é possível não reconhecer essa comunidade? Será que é possível ignorar totalmente essa comunidade indígena por não existir temporalidade entre o marco temporal e o esbulho [saída das terras]?, questionou. O ministro lembrou também que até 1988 os indígenas viviam sob tutela do Estado e dependiam dele para entrar com ações judiciais. A posse da TI, reivindicada por Xokleng, Kaygang e Guarani é questionada pelo governo estadual.

Apesar de ter votado contra o marco temporal, Moraes sugeriu usar a data da promulgação da Constituição para garantir aos proprietários que possuem títulos em terras indígenas não demarcadas o direito de indenização integral para desapropriação. “Quando reconhecido efetivamente que a terra tradicional é indígena, a indenização deve ser completa. A terra nua e todas as benfeitorias. A culpa, omissão, o lapso foi do poder público”, completou.

Mebêngokré e Panará

Representantes das três grandes associações Mebêngokré-Kayapó estão em Brasília para acompanhar este julgamento juntamente com cerca de 2 mil indígenas de todo o país. Um grupo de 45 lideranças Kayapó- Mekrãgnotí e Panará filiadas ao Instituto Kabu chegaram dia 30 na capital para acompanhar outro julgamento no STF, também adiado por duas vezes. O que paralisou o projeto da ferrovia EF-170, apelidada de Ferrogrão, que mesmo sem ter nenhum trilho ainda, já impacto os Kayapó e os Munduruku de maneira dramática.

O julgamento da Ferrogrão, planejada para ser exclusivamente de carga com o objetivo de baratear a exportação da soja e do milho produzidos no Mato Grosso via Santarém, também foi adiado. O STF decidiu buscar uma conciliação, como sugerido pela Advocacia Geral da União.

Sem segurança jurídica e cansados das idas e vindas – a viagem de Novo Progresso a Brasília consome três dias de ônibus para vencer 2 mil quilômetros, sem contar as distâncias entre as aldeias e Novo Progresso, onde fica a sede do Instituto Kabu e de onde o ônibus sai – os Kayapó vão embora satisfeitos com o fato da Ferrogrão não ter tido o sinal verde para que o projeto continue sem que consultas tenham sido feitas aos povos indígenas afetados, de acordo com os protocolos de consulta de cada povo.

Também acompanharam a votação no plenário do STF a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, a deputada federal Célia Xakriabá e o cacique Raoni Metuktire.

Ao final, os advogados indígenas que representam o povo Xokleng se disseram preocupados com o voto do ministro Alexandre de Moraes. Maurício Terena, Coordenador Jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), chamou o voto de “meio-termo”. Para ele, “o ministro quer conciliar os interesses dos povos indígenas com os dos que têm propriedades em sobreposição com territórios indígenas”. Mas o que mais preocupa é a sugestão de indenização prévia – segundo a qual, qualquer um poderia pagar e já entrar no território, antes da demarcação. Para Terena, o voto de Moraes é “muito problemático”, porque poderia gerar conflitos entre os indígenas.

Segundo Terena “não existe meio-termo para nós. O meio-termo é a demarcação de nossos territórios.

(com informações da Agência Brasil e Apib)