Geotecnologia e conhecimentos ancestrais a serviço da proteção da floresta

Ninguém conhece melhor seu próprio território do que os indígenas e eles estão unindo cada vez mais a tecnologia que vem de fora com seus conhecimentos ancestrais para preservar e vigiar os seus territórios.
Geotecnologia e conhecimentos ancestrais a serviço da proteção da floresta
03.12

Ninguém conhece melhor seu próprio território do que os indígenas e eles estão unindo cada vez mais a tecnologia que vem de fora com seus conhecimentos ancestrais para preservar e vigiar os seus territórios.

Como este objetivo, um grupo formado por 14 jovens de todas as 11 aldeias filiadas ao Instituto Kabu e mais dois que trabalham na sede do Instituto, em Novo Progresso, participou de um treinamento encerrado nesta sexta-feira (02/11/22) que vai facilitar o trabalho de impedir invasões de garimpeiros, madeireiros, caçadores e pescadores ilegais dentro das Terras Indígenas Baú e Menkragnoti, no sul do Pará.

Logo no início do curso de uma semana, ministrado por dois pesquisadores do Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia (IPAM), os jovens indígenas foram convidados a listar, além das tecnologias da sociedade envolvente, as desenvolvidas pelos Mêbêngôkré-Kayapó de conhecimento do território e de mobilidade na floresta, que tem ajudado a manter a integridade das duas Terras Indígenas (TIs).

Entre as tecnologias disponíveis e já usadas no monitoramento e na vigilância, eles citaram GPS, imagens de satélite e a novidade dos aplicativos. E foram lembrados que seus conhecimentos tradicionais da terra são também tecnologias importantes para a tarefa.

“A ideia do curso é unir tecnologias ancestrais de conhecimento da terra com ferramentas de geotecnologia. Isto facilita o casamento de dados colhidos em campo pelos indígenas com imagens de satélite para fortalecer a vigilância e monitoramento territorial do povo Mebengokre sobre o seu território”, afirma Ray Alves, um dos dois pesquisadores que ministraram o treinamento.

Apesar de estarem em uma região de intensa pressão de desmatamento e de expansão agrícola e de garimpo na área de influência da BR-163, os Kayapó Mekrãgnotí têm conseguido manter a integridade de seu território. Prova disso é a divulgação do desmatamento raso em 2021/22, cujos números oficiais foram divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE) nesta semana: Se no entorno da Baú e da Menkragnoti 528,1 km² foram desmatados a oeste, numa área de 100 km a partir dos limites das duas TIs, dentro delas o desmatamento foi de 1,77km no último ano. Juntas, elas somam 6,5 milhões de hectares, a maioria no Pará, que é o Estado campeão de desmatamento desde 2006 e foi

A maioria dos alunos já trabalha com monitoramento de forma regular. O Instituto Kabu tem um programa de monitoramento desde que foi criado e bases de vigilância desde 2011. Neste treinamento, os jovens aprenderam a usar as plataformas do MapBiomas para monitorar ameaças à integridade territorial das TIs, bem como a utilizar o aplicativo Alerta Clima Indígena (ACI) e a plataforma Sistema de Observação e Monitoramento da Amazônia Indígena (SOMAI).

Mapbiomas

O MapBiomas é uma rede colaborativa formada por ONGs, universidades e startups de tecnologia que produz mapas anuais de uso e cobertura da terra, áreas queimadas e alertas de desmatamento para todo o território brasileiro com dados a partir de 1985.   “Os dados históricos permitem que os jovens tenham também uma referência visual do que aconteceu no território, reafirmando o que é transmitido oralmente pelos anciões”, afirma Dhemerson Conciani, pesquisador do IPAM e da rede MapBiomas.

No aplicativo ACI, desenvolvido pelo IPAM em parceria com o Conselho Indígena de Roraima (CIR), com o Instituto Raoni e com a COCALITIA (formada por lideranças indígenas e caciques Guajajara da TI Arariboia)  é possível registrar alertas de atividades que violam o território, como desmatamento, atividades de garimpo, queimadas, pesca e caça ilegal. Quando criam alertas através do aplicativo ACI, os monitores em campo podem registrar as coordenadas, incluir fotos do que estão vendo e até gravar áudios na língua Mêbêngôkré agilizando a a coleta e o compartilhamento das informações.  “Sabemos que o acesso à internet é limitado às aldeias, por isso o aplicativo foi planejado para funcionar offline. Os indígenas podem coletar todos os dados sem se preocupar com conexão”, acrescenta Alves.

“As ferramentas vão ajudar no monitoramento porque tem coisas que nossos olhos não vêem,” diz Akranhire Mekragnotire, da aldeia Kubenkokre. Ele também gostou de aprender a fazer a fiscalização remota usando tablets ou notebooks: “É bom poder fazer sem depender de ninguém”.

Assim que os celulares ou tablets se conectam à internet, os dados coletados em campo são enviados automaticamente ao SOMAI, juntando as informações coletadas pelos monitores Mekrãgnotí com a base de dados da plataforma. Pelo SOMAI. Com a plataforma, os indígenas que trabalham no monitoramento podem realizar a gestão dos dados coletados e gerar relatórios de forma rápida e automatizada. “Além dos alertas, os indígenas podem também registrar áreas de uso tradicional do seu povo, como por exemplo, locais sagrados, áreas de caça de coleta de castanha, açaí ou cumaru, trilhas mais usadas, e outras informações que eles considerem importantes, podendo contribuir para os esforços de etnomapeamento e de gestão territorial”, diz Alves. O SOMAI conta ainda com uma biblioteca de dados ambientais e informações científicas especialmente pensados para fortalecer a autonomia dos povos indígenas.

“Como as duas TIs estão em fase de realizar seus Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA), o SOMAI será mais uma ferramenta para auxiliar no mapeamento das áreas de uso, dentro do planejamento do PGTA”, observa Luis Carlos Sampaio, responsável pela organização do treinamento no Instituto Kabu e que também está envolvido no processo de realização do PGTA.

Detecção precoce

Para Dhemerson Conciani, pesquisador que dividiu com Alves o treinamento, a combinação das ferramentas de geotecnologia com o trabalho de campo que os indígenas já realizam nas bases de monitoramento vai ampliar ainda mais a capacidade de detecção precoce de ilícitos nas TIs. “Os indígenas já realizam um trabalho admirável na proteção de nossas florestas. O que buscamos com essa troca de experiências é facilitar a detecção e acelerar o processo de documentação e comunicação das atividades ilegais, para fortalecer os territórios indígenas”.

Beptok Kayapó, da aldeia Pykany, ficou feliz por ter sido chamado pela primeira vez para uma capacitação no Instituto Kabu. Vai me ajudar muito no futuro, na minha formação profissional”, acredita o jovem, que ainda não pode participar das equipes de monitoramento por ser menor de idade. “Fiquei satisfeito pelo meu primeiro curso ser tão importante,” resumiu.

A oficina foi  financiada pelo Funbio/Fundo Kayapó com  o apoio do IPAM e do  MapBiomas.